Um momento ao espelho
Instintivamente… naquela manhã, deu consigo a olhar-se
ao espelho: com o olhar, percorreu os contornos do rosto, como se o fizesse
pela primeira vez. Era aquele o rosto que os outros viam. Já tinha ouvido dizer
que se podia ler no rosto. O seu rosto, sabia-o, alterava-se em função das
circunstâncias. Umas vezes jovial…outras soturno, outras ainda sereno e
circunspecto, ainda algumas, pálido, fogoso, alegre ou irritado.
Mas o seu rosto
tinha a elasticidade necessária para agir no “teatro” da vida, o seu rosto
adoptava o “ar” desejado para cada fim, ou não fosse um perfeccionista nesse
tipo de “farsa”. São muitos anos, pensou. Vamos aperfeiçoando a capacidade de,
se quisermos, mostrarmos aquilo que não somos. Quantas vezes não tinha sido uma
máscara velada. Quantas não escondeu uma duplicidade. E nesta “reinação”, cada
um mostra a máscara que entende .
O olhar parou… firme, num ponto do espelho e pensou: que até vivemos numa “festa permanente”, licenciosa e libertina para poucos, mas violenta e fatigante para muitos, pois que, diariamente, passam diante de nós, os pálidos, os enervados, os fogosos, os soturnos, os alegres, os bem dispostos e muitos mais, até ao dia do cansaço final.
Desviou… enfim, o olhar do espelho, e, ao mesmo tempo, sentiu que algo podia ainda ser feito, que o seu lugar na terra, ainda lhe pertencia e que no fundo, não era apenas mais um, que a infernal orquestra diária não tocava a música de que gostava e que portanto, ainda podia continuar a olhar-se ao espelho com toda a confiança.
Braga, Abril 2023
Augusto Pais
Gostei. Parabéns ao Autor!
ResponderEliminarMuito bom. Parabéns👏
ResponderEliminarEsperamos mais do autor e de outros também . Neste momento temos dois na agenda , mas não queremos pausar agora . Venham de lá novos contos e autores !
ResponderEliminar