segunda-feira, 20 de outubro de 2025

 

Um momento ao espelho

Instintivamente… naquela manhã, deu consigo a olhar-se ao espelho: com o olhar, percorreu os contornos do rosto, como se o fizesse pela primeira vez. Era aquele o rosto que os outros viam. Já tinha ouvido dizer que se podia ler no rosto. O seu rosto, sabia-o, alterava-se em função das circunstâncias. Umas vezes jovial…outras soturno, outras ainda sereno e circunspecto, ainda algumas, pálido, fogoso, alegre ou irritado.
Mas o seu rosto tinha a elasticidade necessária para agir no “teatro” da vida, o seu rosto adoptava o “ar” desejado para cada fim, ou não fosse um perfeccionista nesse tipo de “farsa”. São muitos anos, pensou. Vamos aperfeiçoando a capacidade de, se quisermos, mostrarmos aquilo que não somos. Quantas vezes não tinha sido uma máscara velada. Quantas não escondeu uma duplicidade. E nesta “reinação”, cada um mostra a máscara que entende .

O olhar parou… firme, num ponto do espelho e pensou: que até vivemos numa “festa permanente”, licenciosa e libertina para poucos, mas violenta e fatigante para muitos, pois que, diariamente, passam diante de nós, os pálidos, os enervados, os fogosos, os soturnos, os alegres, os bem dispostos e muitos mais, até ao dia do cansaço final.

Desviou… enfim, o olhar do espelho, e, ao mesmo tempo, sentiu que algo podia ainda ser feito, que o seu lugar na terra, ainda lhe pertencia e que no fundo, não era apenas mais um, que a infernal orquestra diária não tocava a música de que gostava e que portanto, ainda podia continuar a olhar-se ao espelho com toda a confiança.

 

Braga, Abril 2023



Augusto Pais

3 comentários:

  1. Gostei. Parabéns ao Autor!

    ResponderEliminar
  2. Esperamos mais do autor e de outros também . Neste momento temos dois na agenda , mas não queremos pausar agora . Venham de lá novos contos e autores !

    ResponderEliminar