A quadrilha do Zé Rato
O homem que ficou conhecido como Zé Rato terá sido o último grande salteador do Alentejo. Com a sua quadrilha, roubava aos ricos lavradores tudo aquilo a que conseguisse deitar a mão, depois vendendo para arranjar dinheiro. As suas façanhas passaram de boca em boca e chegaram a ser faladas num livro de José Saramago.
Até meados do século XX as
planícies do Alentejo eram lugares arriscados. As estradas eram poucas e a
circulação reduzida, pelo que, quem se aventurava por estes ermos, era presa
fácil para os salteadores que chegaram a ser muitos e perigosos. Esta realidade
talvez justifique as muitas memórias populares sobre gatunos e ladroagem que
persistem. O último destes grandes quadrilheiros terá sido o afamado Zé Rato,
que viveu já numa época de maior segurança e cujas façanhas ainda hoje ecoam
nas lembranças dos mais velhos e em quadras saídas da arte de poetas populares
.
Zé Rato era um maltês que, como
milhares de outros, tinha vindo para a região de Alcácer do Sal trabalhar
integrado nas ranchadas que tratavam da campanha do arroz, da retirada da
cortiça ou da extração do sal. Um dia ter-se-á cansado de trabalhar por tão
pouco e decidiu mudar de vida.
Passado algum tempo, reuniu um grupo de homens como ele, com pouco a perder e muita ânsia de sobreviver. Estava assim formado o bando. Zé Rato, cuja audácia e valentia eram sobejamente conhecidas, era o líder incontestado.
Conta Rosinda Paulo que a sua
avó, Maria José Mendes, morava no Monte de Volta, ali a meio caminho entre
Alcácer do Sal e Palma. Era uma mulher destemida, que tivera 9 filhos.
Conhecida por ser desembaraçada
e fumar charuto, tinha ali uma venda, onde servia refeições improvisadas aos
passantes e vendia um pouco de tudo a quem morava nas imediações, já que o
Monte da Volta confrontava com Palma, Serrinha e Vale de Reis.
Entre os clientes da casa
estava a quadrilha desse tal Zé Rato, que a memória popular transformou numa
espécie de Robin dos Bosques, que privilegiaria entre as suas vítimas a gente
endinheirada, deixando os pobres em paz e ainda os auxiliando.
Talvez por isso – e porque
pagava bem quem o servia e guardava segredo – tinha a simpatia da comerciante
que também não seria alheia ao facto de estes visitantes andarem todos armados
até aos dentes. ”Toda a gente sabia que eles eram ladrões e tinham medo deles,
por isso os ajudavam”.
O grupo de criminosos
acoitava-se ali, passando, por vezes, vários dias nas instalações anexas à
venda, entre golpes ou em fase de preparação do próximo.
Quando a guarda aparecia, Maria José Mendes, içava num pau alto com um trapo encarnado na ponta, visível do exterior, por dentro da chaminé, sinal que não era seguro aproximarem-se. E, assim, para evitar encontros indesejados, Zé Rato e os seus desapareciam das imediações durante uns tempos.
Esta prática era conhecida e
aceite pela restante clientela, assim coniventes
Segundo se lê no Levantado do Chão, de José Saramago, teriam
também uma barraca na Serra do Loureiro, perto de Palma, onde se acolhiam e
vendiam os porcos – e tudo o mais a que pudessem deitar a mão - que haviam
roubado das herdades.
Saramago acrescenta que esta
quadrilha de malfeitores ou, antes, “malteses” também trabalhavam no campo,
quando não estavam a roubar para comer e para vender.
Segundo a ficção, roubavam
sobretudo porcos e tinham um barco fundeado no Sado, que era o talho deles. Ali
“matavam os animais e conservavam-nos na salgadeira”, para quando fizessem
falta e para vender aos ranchos de trabalhadores
Isto terá perdurado alguns
anos, até que, um dia, a Guarda Nacional Republicana apareceu e cercou o Monte
da Volta numa altura em que a quadrilha ali se havia alojado. Rosinda Paulo e a
prima Custódia eram pequenas, mas lembram-se: “parecia uma procissão, o bando
todo, em fila, ao mando da guarda, mais duas pessoas da família, que também
foram presas porque faziam negócios com eles”. Segundo Saramago, o Zé Rato – a
que chama Zé Gato - seria detido em Vendas Novas, onde tinha uma amante, uma
vendedeira de hortaliças por quem andava embeiçado e em cuja casa acabaria por
ser apanhado.
Entre o grupo estaria Lourenço Marrilhas, da aldeia de Casebres. Saramago nomeia “Parrilhas, o Venta Rachada, o Ludgero, o Castelo e outros” como elementos do bando.
Mas, sobre a verdadeira
identidade de Zé Rato, nada acrescenta.
José Saramago terá usado como
base de inspiração para escrever o livro Levantado do Chão as memórias de João
Domingos Serra, depois publicadas pela Fundação Saramago. Os nomes são outros,
o enquadramento também, mas as personagens coincidem em muitos aspetos. O
escritor conta as desgraças e conquistas da família Mau-Tempo entre 1900 e
1974. As mudanças sociais, a problemática da posse da terra e do trabalho são
vistas pelos olhos das personagens desta família alentejana que vive entre os
concelhos de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal.
Muito interessante📚
ResponderEliminar