segunda-feira, 23 de junho de 2025

CRÓNICA POLICIAL

A quadrilha do Zé Rato

O homem que ficou conhecido como Zé Rato terá sido o último grande salteador do Alentejo. Com a sua quadrilha, roubava aos ricos lavradores tudo aquilo a que conseguisse deitar a mão, depois vendendo para arranjar dinheiro. As suas façanhas passaram de boca em boca e chegaram a ser faladas num livro de José Saramago.


Até meados do século XX as planícies do Alentejo eram lugares arriscados. As estradas eram poucas e a circulação reduzida, pelo que, quem se aventurava por estes ermos, era presa fácil para os salteadores que chegaram a ser muitos e perigosos. Esta realidade talvez justifique as muitas memórias populares sobre gatunos e ladroagem que persistem. O último destes grandes quadrilheiros terá sido o afamado Zé Rato, que viveu já numa época de maior segurança e cujas façanhas ainda hoje ecoam nas lembranças dos mais velhos e em quadras saídas da arte de poetas populares .

Zé Rato era um maltês que, como milhares de outros, tinha vindo para a região de Alcácer do Sal trabalhar integrado nas ranchadas que tratavam da campanha do arroz, da retirada da cortiça ou da extração do sal. Um dia ter-se-á cansado de trabalhar por tão pouco e decidiu mudar de vida.

Passado algum tempo, reuniu um grupo de homens como ele, com pouco a perder e muita ânsia de sobreviver. Estava assim formado o bando. Zé Rato, cuja audácia e valentia eram sobejamente conhecidas, era o líder incontestado.

Conta Rosinda Paulo que a sua avó, Maria José Mendes, morava no Monte de Volta, ali a meio caminho entre Alcácer do Sal e Palma. Era uma mulher destemida, que tivera 9 filhos.

Conhecida por ser desembaraçada e fumar charuto, tinha ali uma venda, onde servia refeições improvisadas aos passantes e vendia um pouco de tudo a quem morava nas imediações, já que o Monte da Volta confrontava com Palma, Serrinha e Vale de Reis.

Entre os clientes da casa estava a quadrilha desse tal Zé Rato, que a memória popular transformou numa espécie de Robin dos Bosques, que privilegiaria entre as suas vítimas a gente endinheirada, deixando os pobres em paz e ainda os auxiliando.

Talvez por isso – e porque pagava bem quem o servia e guardava segredo – tinha a simpatia da comerciante que também não seria alheia ao facto de estes visitantes andarem todos armados até aos dentes. ”Toda a gente sabia que eles eram ladrões e tinham medo deles, por isso os ajudavam”.

O grupo de criminosos acoitava-se ali, passando, por vezes, vários dias nas instalações anexas à venda, entre golpes ou em fase de preparação do próximo.


Quando a guarda aparecia, Maria José Mendes, içava num pau alto com um trapo encarnado na ponta, visível do exterior, por dentro da chaminé, sinal que não era seguro aproximarem-se. E, assim, para evitar encontros indesejados, Zé Rato e os seus desapareciam das imediações durante uns tempos.

Esta prática era conhecida e aceite pela restante clientela, assim coniventes

Segundo se lê no Levantado do Chão, de José Saramago, teriam também uma barraca na Serra do Loureiro, perto de Palma, onde se acolhiam e vendiam os porcos – e tudo o mais a que pudessem deitar a mão - que haviam roubado das herdades.

Saramago acrescenta que esta quadrilha de malfeitores ou, antes, “malteses” também trabalhavam no campo, quando não estavam a roubar para comer e para vender.

 

Segundo a ficção, roubavam sobretudo porcos e tinham um barco fundeado no Sado, que era o talho deles. Ali “matavam os animais e conservavam-nos na salgadeira”, para quando fizessem falta e para vender aos ranchos de trabalhadores

Isto terá perdurado alguns anos, até que, um dia, a Guarda Nacional Republicana apareceu e cercou o Monte da Volta numa altura em que a quadrilha ali se havia alojado. Rosinda Paulo e a prima Custódia eram pequenas, mas lembram-se: “parecia uma procissão, o bando todo, em fila, ao mando da guarda, mais duas pessoas da família, que também foram presas porque faziam negócios com eles”. Segundo Saramago, o Zé Rato – a que chama Zé Gato - seria detido em Vendas Novas, onde tinha uma amante, uma vendedeira de hortaliças por quem andava embeiçado e em cuja casa acabaria por ser apanhado.


Entre o grupo estaria Lourenço Marrilhas, da aldeia de Casebres. Saramago nomeia “Parrilhas, o Venta Rachada, o Ludgero, o Castelo e outros” como elementos do bando.

Mas, sobre a verdadeira identidade de Zé Rato, nada acrescenta.

José Saramago terá usado como base de inspiração para escrever o livro Levantado do Chão as memórias de João Domingos Serra, depois publicadas pela Fundação Saramago. Os nomes são outros, o enquadramento também, mas as personagens coincidem em muitos aspetos. O escritor conta as desgraças e conquistas da família Mau-Tempo entre 1900 e 1974. As mudanças sociais, a problemática da posse da terra e do trabalho são vistas pelos olhos das personagens desta família alentejana que vive entre os concelhos de Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal.

 

by ; Cristiana Vargas


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