quarta-feira, 28 de maio de 2025

   

| O estranho caso do brinco |

Chovia naquela tarde! Apesar dos dias serem maiores e mais soalheiros, as temperaturas ligeiramente frescas para a época continuavam a fazer-se sentir naquele mês de maio.

Ele observou-a cuidadosamente. Deitada na cama, completamente nua, Margarida evidenciava apenas duas jóias: uma gargantilha e uns brincos. Ah, aqueles brincos!... Quando ele lhos oferecera, Margarida ficara extasiada. Pequenos, quadrados, em ouro de 24 quilates, combinavam na perfeição com a gargantilha. Esta tinha sido oferecida com um pedido de desculpas por aquela célebre noite de 6ª feira, que ocorrera há uns meses. Um jantar com os colegas do escritório para comemorar a entrada de novos e importantes clientes na empresa fora o suficiente para despoletar uma crise de ciúmes. Leandro ligara-lhe várias vezes naquela noite. Inclusive, deixara-lhe uma mensagem de voz, lembrando-a de que esperava uma chamada dela, mesmo que a horas tardias.

Mas, Margarida, não olhara para o telemóvel, pelo que não se apercebera da quantidade de chamadas não atendidas nem ouvira a mensagem de voz que ele lhe deixara. Já era tardíssimo quando chegou a casa. Tirara os sapatos de salto alto, atirara-se para cima da cama, ainda vestida, e adormecera quase instantaneamente.

Na manhã seguinte, acordara com o som da campainha e batidas na porta. Espreitara pelo óculo e, reconhecendo o rosto, abrira-a. Leandro entrara de rompante e, antes que ela pudesse proferir uma única palavra, desferira-lhe um murro no rosto. Com o impacto, ela batera com a cabeça na parede, desequilibrara-se e caíra no chão, inanimada.

Só nessa altura, Leandro se apercebeu do erro que cometera. Lançou-se sobre ela, gritando:

- Margarida, meu amor, desculpa-me! Peço-te imensa desculpa! Como é que eu fui capaz de fazer isto? Perdoa-me, querida! Não te queria magoar! Por favor, desculpa-me!

E, enquanto ela, lentamente, voltava a si, Leandro, por entre lágrimas, e segurando a cabeça dela entre ambas as mãos, dissera-lhe que tinha sido um ato isolado e jurara-lhe que nunca mais se voltaria a repetir. Dois dias depois, oferecera-lhe uma gargantilha em ouro. Gentilmente, colocara-lha à volta do pescoço e beijara-a com doçura.

Mas o ciúme doentio de Leandro não conhecia limites.

Voltemos, no entanto, a essa tarde de maio:

Leandro foi até à cozinha e aproximou-se da bancada de granito escuro. Agarrou no espeto metálico e colocou-o no lava-louça, junto ao outro que lá repousava. Lavá-los-ia mais tarde – pensou.

Abriu o armário e retirou duas taças. Depois, abriu o frigorífico e retirou a caixa que continha morangos, bem como a embalagem de chantilly, que se encontrava na porta.

Munindo-se das duas coisas, pousou-as em cima da bancada. Distribuiu, equitativamente, doze morangos pelas duas taças. Pegou na embalagem do chantilly e, premindo o êmbolo, desenhou um generoso coração em cada uma delas. Agarrou em ambas as taças e percorreu o corredor até ao quarto. Imobilizou-se à entrada deste e ficou a contemplá-la, por alguns instantes, encostando-se à ombreira da porta. De seguida, pousou ambas as taças em cima da mesa de cabeceira.

Margarida, olhava-o, imóvel. Um fio de sangue escorria do seu pescoço, manchando ligeiramente o lençol e a almofada. Leandro aproximou-se dela, retirou o brinco da sua orelha direita e extraiu, meticulosamente, a pequena câmara que tinha instalado para a expiar. Voltou a colocar-lhe o brinco na orelha e ajeitou o seu cabelo, demoradamente.

Ela continuava a olhá-lo fixamente. Apenas aquele olhar vítreo aliado a uma já existente rigidez muscular denunciava a sua morte.

 Detective Verdinha

8 comentários:

  1. 👏👏👏 Muitos parabéns `"Detective Verdinha"!! Para estreia... É UM CONTO MUITO BOM! O POLICIÁRIO... É ISTO! Dinamização, crença, fé, vontade, disponibilidade, gosto e porque não... PAIXÃO! GOSTEI.
    Vale ou não vale a pena... estimado "Virmancaroli"... (!?!) o meu Amigo, hoje, está, também DE PARABÉNS!! ✌

    ResponderEliminar
  2. Muitos Parabéns "Detective Verdinha", muito bom! Gostei muito👏

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada, Mali! Um beijinho.

      Eliminar
  3. Muito obrigada, de coração, ao confrade Virmancaroli que lançou o desafio.
    Posso, eventualmente, e se a inspiração o permitir, escrever outros pequenos contos. Mas este foi o meu primeiro. Terá, sempre e por isso, um gostinho especial. 💚

    ResponderEliminar
  4. Desafio aceite , pela Detective Verdinha, e ai está um excelente conto , outros se aguardarão, que já faz com que tenha valido a pena o lançamento deste espaço .
    Obrigado e Parabéns … !
    Virmancaroli

    ResponderEliminar