| O estranho caso
do brinco |
Chovia naquela tarde! Apesar dos dias serem maiores e mais soalheiros, as temperaturas ligeiramente frescas para a época continuavam a fazer-se sentir naquele mês de maio.
Ele observou-a cuidadosamente. Deitada na cama, completamente nua,
Margarida evidenciava apenas duas jóias: uma gargantilha e uns brincos. Ah,
aqueles brincos!... Quando ele lhos oferecera, Margarida ficara extasiada.
Pequenos, quadrados, em ouro de 24 quilates, combinavam na perfeição com a
gargantilha. Esta tinha sido oferecida com um pedido de desculpas por aquela célebre
noite de 6ª feira, que ocorrera há uns meses. Um jantar com os colegas do
escritório para comemorar a entrada de novos e importantes clientes na empresa
fora o suficiente para despoletar uma crise de ciúmes. Leandro ligara-lhe
várias vezes naquela noite. Inclusive, deixara-lhe uma mensagem de voz,
lembrando-a de que esperava uma chamada dela, mesmo que a horas tardias.
Mas, Margarida, não olhara para o telemóvel, pelo que não se apercebera da
quantidade de chamadas não atendidas nem ouvira a mensagem de voz que ele lhe
deixara. Já era tardíssimo quando chegou a casa. Tirara os sapatos de salto
alto, atirara-se para cima da cama, ainda vestida, e adormecera quase
instantaneamente.
Na manhã seguinte, acordara com o som da campainha e batidas na porta.
Espreitara pelo óculo e, reconhecendo o rosto, abrira-a. Leandro entrara de
rompante e, antes que ela pudesse proferir uma única palavra, desferira-lhe um
murro no rosto. Com o impacto, ela batera com a cabeça na parede, desequilibrara-se
e caíra no chão, inanimada.
Só nessa altura, Leandro se apercebeu do erro que cometera. Lançou-se sobre
ela, gritando:
- Margarida, meu amor, desculpa-me! Peço-te imensa desculpa! Como é que eu
fui capaz de fazer isto? Perdoa-me, querida! Não te queria magoar! Por favor,
desculpa-me!
E, enquanto ela, lentamente, voltava a si, Leandro, por entre lágrimas, e
segurando a cabeça dela entre ambas as mãos, dissera-lhe que tinha sido um ato
isolado e jurara-lhe que nunca mais se voltaria a repetir. Dois dias depois,
oferecera-lhe uma gargantilha em ouro. Gentilmente, colocara-lha à volta do
pescoço e beijara-a com doçura.
Mas o ciúme doentio de Leandro não conhecia limites.
Voltemos, no entanto, a essa tarde de maio:
Leandro foi até à cozinha e aproximou-se da bancada de granito escuro. Agarrou
no espeto metálico e colocou-o no lava-louça, junto ao outro que lá repousava.
Lavá-los-ia mais tarde – pensou.
Abriu o armário e retirou duas taças. Depois, abriu o frigorífico e retirou
a caixa que continha morangos, bem como a embalagem de chantilly, que se
encontrava na porta.
Munindo-se das duas coisas, pousou-as em cima da bancada. Distribuiu,
equitativamente, doze morangos pelas duas taças. Pegou na embalagem do
chantilly e, premindo o êmbolo, desenhou um generoso coração em cada uma delas.
Agarrou em ambas as taças e percorreu o corredor até ao quarto. Imobilizou-se à
entrada deste e ficou a contemplá-la, por alguns instantes, encostando-se à
ombreira da porta. De seguida, pousou ambas as taças em cima da mesa de
cabeceira.
Margarida, olhava-o, imóvel. Um fio de sangue escorria do seu pescoço, manchando
ligeiramente o lençol e a almofada. Leandro aproximou-se dela, retirou o brinco
da sua orelha direita e extraiu, meticulosamente, a pequena câmara que tinha
instalado para a expiar. Voltou a colocar-lhe o brinco na orelha e ajeitou o
seu cabelo, demoradamente.
Ela continuava a olhá-lo fixamente. Apenas aquele olhar vítreo aliado a uma
já existente rigidez muscular denunciava a sua morte.
Excelente conto. Muito bom!
ResponderEliminarMuito obrigada!
Eliminar👏👏👏 Muitos parabéns `"Detective Verdinha"!! Para estreia... É UM CONTO MUITO BOM! O POLICIÁRIO... É ISTO! Dinamização, crença, fé, vontade, disponibilidade, gosto e porque não... PAIXÃO! GOSTEI.
ResponderEliminarVale ou não vale a pena... estimado "Virmancaroli"... (!?!) o meu Amigo, hoje, está, também DE PARABÉNS!! ✌
Muito obrigada, Gráfico!
EliminarMuitos Parabéns "Detective Verdinha", muito bom! Gostei muito👏
ResponderEliminarMuito obrigada, Mali! Um beijinho.
EliminarMuito obrigada, de coração, ao confrade Virmancaroli que lançou o desafio.
ResponderEliminarPosso, eventualmente, e se a inspiração o permitir, escrever outros pequenos contos. Mas este foi o meu primeiro. Terá, sempre e por isso, um gostinho especial. 💚
Desafio aceite , pela Detective Verdinha, e ai está um excelente conto , outros se aguardarão, que já faz com que tenha valido a pena o lançamento deste espaço .
ResponderEliminarObrigado e Parabéns … !
Virmancaroli