O Pera de Satanás passou os ensinamentos ao Caramelo, que os partilhou com o Batata. Em conjunto, produziram muitos contos de réis, que lhes permitiram uma vida folgada...até serem apanhados.
A maioria trabalha para ganhar a vida. Depois, há os que possuem arte e saber para fabricar o seu próprio dinheiro. José Maria da Silva pertencia a essa categoria extraordinária. Parecia um cavalheiro, bem falante e melhor vestido, mas essa apresentação era tão falsa como as moedas de 500 reis que fabricava com as colheres que a amante comprava numa loja da praça da Figueira. Enganou meia Lisboa e também parte do Alentejo e nunca desistiu, mesmo tendo sido apanhado e preso diversas vezes. Nos meandros do crime dos finais do século XIX, ficou conhecido como "o Caramelo".
José Maria da Silva, filho de pais incógnitos, alentejano de Elvas que a ambição levou para a grande cidade, tinha profissão e até estabelecimento de venda de vassouras montado lá para os lados da rua dos Remédios, em Alfama (na imagem). Mas, digamos, que uma ocupação tão simples e modesta não combinava com a alta opinião que este indivíduo tinha de si próprio. Terá sido o celebrado Pera de Satanás (ver À margem, nesta página) a dar-lhe as dicas para o hobby que iria abraçar até ao resto da vida, fazendo jus à vocação que, sem dúvida, era parte integrante da sua complexa personalidade.
Decidiu ser moedeiro !
O estratagema era o seguinte: a namorada comprava dúzias de colheres que dizia serem para revenda, justificando a assiduidade das encomendas. A liga de estanho Britannia, em que os talheres tinham sido concebidos era a matéria-prima ideal para o Caramelo derreter e transformar em dinheiro, pois assemelhava-se na cor, no toque e no peso ao "vil metal". Para tal, usava moldes de gesso, que substituía após algumas utilizações, para não fazer perigar a qualidade do resultado final.
Quando terminava o "trabalho", que desenvolvia no maior secretismo, nem a própria companheira deixando ver como procedia, destruía todos os utensílios. Terá sido Alfredo Alves Mendes, o célebre falsário Pera de Satanás em pessoa que assim o instruiu no "ofício".
As moedas, de 500 reis eram depois postas a circular misturadas com outras legítimas, tanto em Lisboa, como em outras cidades, exemplos de Évora ou Elvas, para onde José Maria da Silva teve que alargar o seu raio de ação. É que o seu porte "ajanotado", a facilidade e até correção na forma de se expressar, pouco comuns num indivíduo que não sabia ler nem escrever, já não enganavam ninguém na Capital do Reino.
É claro que, mesmo com o esquema bem montado, a vontade que o Caramelo tinha de dar nas vistas, nomeadamente comprando produtos xiques e pouco adequados à bolsa de um mero vassoureiro, seria o seu fim. Isso, as provas que, apesar de todos os cuidados, deixou à mercê das buscas policiais na sua loja e em casa e também as informações que a amante deixou escorregar quando "apertada" pelas autoridades.
Essa nefasta conjugação de factores levou-o à cadeia diversas vezes, pelo menos a partir do início da década de 80 do século XIX, passando longas temporadas no Limoeiro, alternadas com novas incursões na arte de produzir e passar dinheiro, que acabavam por fecha-lo novamente na "gaiola" - na imagem a prisão do Limoeiro no final do século XIX - onde, tal como o Pera de Satanás, serviria de inspiração e formação a outros aspirantes a falsificadores.
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