domingo, 6 de julho de 2025

  

O  ADEUS 

Era mais uma operação do Agrupamento Siroco . Sem baixas em anteriores operações também esta se afigurava segura embora o planeamento sempre fosse a chave do sucesso . Ricardo , com 18 anos de idade apenas e, cuja mobilização para o Ultramar o apanhou desprevenido , chegara ao Leste de Angola cheio de esperanças de voltar mais homem e mais capaz . Alistar-se como voluntário tinha sido o escape para sair de uma vida familiar difícil . O Pai nos biscates , a Mãe sem trabalho e ele à beira da criminalidade .
Desta vez o Agrupamento havia sido elaborado de uma forma diferente , o que não convencia muito . O próprio Ricardo em conversas com quem já havia participado em anteriores Sirocos , não se sentia muito confortável , embora pensasse de si para si que os seus receios poderiam ser de todo infundados .

Desta vez a Siroco tinha o seu início programado para a Chana da Cameia , lugar onde se iriam reunir todas as forças intervenientes . Seriam cerca de 30 a 35 dias de operação, o que fazia com que Ricardo pudesse deixar um pouco para trás as atribulações do passado , próprias da idade , levando-o a pensar apenas no momento . Este tipo de operação era sempre dividida em duas fases , com a distribuição do pessoal , por especialidades e operacionalidade . A Unita até que “facilitava” mas havia que estar atento e na defesa. Rapidamente e após distribuição do pessoal algumas conversas foram surgindo e rapidamente se criaram laços . Ricardo como enfermeiro de campanha tinha uma posição avançada o que em termos de guerrilha é uma situação mais fragilizada , mas isso não o assustava sequer . O sinal de partida foi dado e as coordenadas estudadas . Eram cerca de 08h00 da manhã, de intenso cacimbo, quando um dos grupos, onde Ricardo se integrava ,  iniciou a caminhada na Chana .

De olhar atento e pé firma todo o grupo caminhava em silêncio . A mochila pesada de Ricardo não o incomodava e muito menos a arma sua companheira fiel . De camuflado já com alguns vestígios de alguns outros dias já experenciados na mata , valia-lhe agora quando numa clareira sentiu o perigo eminente e se deitou no chão. Ouviu um, dois estrondos . O inimigo estava emboscado e numa desordem invulgar, próprio do factor surpresa do ataque , alguém tomba , ali a menos de 2 metros de Ricardo . Ele está perto e debruça-se de imediato sobre o companheiro. Rapidamente abre a mochila e revolve o estojo dos esterilizados, prepara uma seringa com aminofilina que lhe aplica de imediato no coração . O amigo  não reage , mas num último suspiro e talvez mesmo num último esforço de vida, ele move os lábios e diz ADEUS , precisamente no momento em que Ricardo era atingido e tombava de bruços , já inerte, sobre o seu companheiro .



2 comentários:

  1. Bom dia. Quanto de verdadeiro não terá este conto? Uma história curta, muito bem sintetizada e de conteúdo profundo. Muito bom.

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  2. ...O mentor da "HORA DO CONTO" - rubrica que está a criar brado, no bom sentido, na Família Policiária - dá o exemplo com um texto de como qualquer um de nós... pode escrever uma simples história, curta, mas com uma mensagem enorme... do tamanho e para todo o Mundo! O flagelo das guerras (sejam elas... quais forem!) despedaçam corpos inocentes... em começo de vida, uma autêntica barbaridade e ninguém põe fim a isto... por variadíssimos interesses! Muito bem, Amigo "Virmancaroli"! Siga...

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