A vida escandalosa da marquesa e do seu toureiro
Tudo tinha começado três anos antes, numa feira de Sevilha, onde se conheceram. A marquesa vinha de mantilha preta adornada com uma rosa vermelha, contrastante com a alvura do seu rosto. Abelardo Blagerez montava a cavalo, mostrando-se elegante e altivo.
Dolores tinha 35 anos e era viúva. O picador era casado, mas isso não impediu que, entre os dois, nascesse uma relação que teve como primeiro efeito fecharem-se à nobre senhora as portas dos salões, onde até então tinha sido admirada.
Como era comum na época quando uma mulher ousava desviar-se do caminho que lhe estava traçado à nascença, a família quis dá-la como louca e retirar-lhe a gestão dos seus bens. A filha, Carmen, foi posta num colégio, como proteção contra a lama que manchava já o bom nome dos seus antepassados.
Certo dia, o polémico casal resolve afastar-se de tudo aquilo e rumar a Portugal. À revelia da vontade familiar, trazem a menina, então com 14 anos.
Primeiro instalam-se incógnitos em Vila Real de Santo António. Fazem-se passar por legítimos e ali permanecem por três meses. Partem então para Lisboa, alojam-se no Hotel Camões, na bem central rua da Bestesga (na imagem).
A harmonia, no entanto, há muito que parecia ter abandonado o insólito trio. A falta de dinheiro terá sido a primeira razão para as acesas discussões e cenas de violência, mas não faltaram outras, ainda mais graves.
Dizem os jornalistas e algumas testemunhas que, a dada altura, o toureiro terá resolvido trocar a mãe pela jovem filha e as investidas para tentar consumar a sua vontade originavam verdadeiras batalhas entre quatro paredes, com consequente gritaria ouvida por hóspedes e pessoal hoteleiro.
A ameaça com um punhal, parada pela intervenção de terceiros, acabaria por ser a gota de água que fez com que Abelardo fosse preso.
Ouvido por um juiz do Tribunal da Boa Hora (na imagem), negou as suas más intenções para com a “enteada” e os gastos excessivos, admitiu alguma impetuosidade para com a amante, mas afirmou ter bastas vezes valido às duas.
Não obstante, recolheu ao Limoeiro (na última imagem).
Depois daqui é ainda mais difícil perceber quem diz verdade: às declarações iniciais, que falavam de medo do companheiro e receio pela virtude da filha, Dolores juntaria outras desmentindo as suas próprias palavras, alegando inocência do homem.
O pai do preso veio de Sevilha para tentar encontrar defesa para o filho. Os amantes trocavam cartas apaixonadas e até a “enteada”, por escrito, manifestou o seu enorme afeto e endereçou beijos ao “padrasto”, enquanto mãe lhe fazia entregar cabazes com delicadas iguarias da Patisserie Violette, dinheiro e charutos.
O caso suscitou tal agitação e curiosidade em Lisboa, que grupos de pessoas organizaram esperas à porta de lojas onde se dizia que estava a marquesa, e aglomeravam-se junto ao hotel, hesitando entre a indignação e a pena face à pressentida imoralidade da relação que unia trio e a situação em que se encontravam estas três personagens.
As notícias atravessaram o oceano e tiveram eco nos jornais brasileiros, para além dos espanhóis, claro.
Passada a novidade, no entanto, não é fácil perceber o que aconteceu a Dolores Porcel Martinez, Carmen Villanueva Porcel e Abelardo Blagerez.
A última informação dava conta de este “ter tido despacho de pronúncia” e, portanto, o processo seguir para julgamento. Acresce que, em Espanha, estas mesmas três pessoas eram citadas por desobediência, procurando a justiça que as mesmas se apresentassem.
Nada voltamos a descobrir do amor atribulado de Dolores e Abelardo, mas sabemos que, passados 13 anos, Carmen casou e, provavelmente porque enviuvou cedo, como a mãe, voltou a casar dois anos depois, com o irmão do primeiro marido. Depois, é o silêncio.
by ; Cristiana Vargas
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