Diagnóstico médico-legal entre suicídio,
homicídio e acidente por armas de fogo …
A
reconstrução do trajecto que o projéctil percorre no interior do corpo da
vítima deve ser apurado durante a autópsia. O trajecto deve ser descrito
segundo três planos, usando como referência a posição anatómica: no plano
frontal temos as direcções ântero-posterior, paralelo ou póstero-anterior; no
plano horizontal o sentido ascendente, paralelo ou descendente; no plano
sagital os sentidos esquerda-direita, paralelo ou direita-esquerda. O trajecto
seguido pelo projéctil pode ser diferente consoante se trata de um homicídio ou
de um suicídio. Nos suicídios, mais uma vez é mais fácil padronizar o trajecto
comparativamente às situações de acidente e de homicídio, uma vez que ocorrem
num contexto em que a vítima assume o controlo da situação, segurando a arma na
mão, habitualmente a mão dominante, de um modo estável e confortável. Nos
homicídios esta sistematização é mais difícil, se não impossível, já que se
trata a maioria das vezes de um cenário dinâmico, muitas vezes com tentativa de
fuga ou resistência à agressão e com distâncias de disparo mais alargadas. O
mesmo problema pode ser levantado no que diz respeito aos casos de acidente, dado
que o local de impacto, por definição, não é escolhido. Assim, consoante a
localização anatómica do orifício de entrada, a trajectória do projéctil pode
ser um forte indicador de um dos diagnósticos diferenciais. Relativamente aos
ferimentos por arma de fogo na região temporal direita, os suicídios
normalmente cursam com uma direcção ântero-posterior e ascendente (ou paralela
no plano horizontal); uma direcção póstero-anterior e/ou descendente de um
disparo na região temporal direita, apesar de ser mais frequentemente
encontrada nos casos de suicídio, não aponta para esta causa. Nos ferimentos no
hemitórax esquerdo, por exemplo, uma trajectória direita-esquerda ou paralela
no plano horizontal é mais comum nos suicídios e o sentido oposto a este
verifica-se nos homicídios em maior número de casos. Nos disparos, com orifício
de entrada intraoral, o sentido ascendente é claramente preferencial nos
suicídios, ao contrário do que se verifica nos homicídios, onde é mais comum o
sentido paralelo ao plano horizontal, embora outros trajectos tenham sido
descritos. A região cervical e dorsal superior são locais atípicos de entrada
do disparo nos casos de suicídio mas, quando presentes, os projécteis descrevem
geralmente um trajecto ascendente, enquanto que nos homicídios este trajecto
pode assumir virtualmente qualquer direcção.
Revista : Arquivos de Medicina (
2010 )
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